BANZO (Documentário, 3', 2018)
O cinema transforma relações. Com os lugares, por mostrar pontos de vista que revelam, na superfície da imagem e nos timbres do som, o que de profundo está tanto em quem filma quanto em quem vê. E dá o tempo necessário para trazer à tona a profundidade do que, por tantas vezes ter sido visto, torna-se normal.
Com as coisas, por recordar significados daquilo que por ora pode não aparentar ser mais que um produto industrial, plástico ou metal. E dá-las vida, de alguma maneira, ao possibilitar que se recrie sentidos.
Com as pessoas, por instigar a vista para buscar entender como performam. Ao mesmo tempo, para procurar as histórias que dão ideias dos porquês.
E com nós mesmos, vez que somos formados a partir disso. Da rede de coisas, pessoas e lugares que nos acompanham ao longo da vida, das experiências e da leitura que constantemente refazemos das histórias. De tudo que é visto, dito, lido, tocado, sentido, ouvido.
Às vezes, viver o cinema é algo tão distante que parece mentira. Não veio, antes, em forma de ideia ou projeção. Chegou devagar, depois de muitos tropeços, tombos e portas fechadas.
Vim para São Paulo com uma bagagem de certezas, intenções e caminhos imaginados. Tentei tudo que podia, sem, ao menos em público, me curvar ou baixar o queixo. Orgulho e teimosia não me deixaram voltar para Belo Horizonte. Às vezes, há de se agradecer à estupidez. Mas agradecer baixinho, para não se aprumar. Certezas são armaduras. Protegem, mas pesam. A dúvida abre.
Fiquei. Mais por sorte do que pela busca intensa, me encantei por ter nas mãos uma câmera fotográfica e ganhei novas lentes. Não dessas de vidro. E não sabia bem o que fazer com elas. Tampouco com as de vidro. Mas segui usando, porque gostava. Porque me dava prazer.
Aos poucos, a foto ganhou movimento. Mudou cores, ângulos, luzes. Mas, sempre, gente. Vista cada vez mais próxima, a mirar o de dentro. E isso virou trabalho, sustento, dinheiro do aluguel, sem deixar de ser sincero. Os dias parecem ter descalçado os sapatos.
A vida passou a crescer em coro, leve e intensa. Os problemas pesam menos, assim como os erros. Ainda pesam, mas menos, e o que já era bonito brilha forte. Senti que o mundo é um montão de gente, um mar de fogueirinhas. Serenas, agitadas, enormes, de todas as cores, cada qual a sua maneira. Dá um gosto bom na boca, uma vontade de chegar mais perto, sem tanto medo de ser visto de volta.
Não que eu tenha encontrado o nirvana ou algo do tipo. Mas, desde que comecei a estudar cinema, sinto, reflito, produzo, sonho e me emociono como nunca. Tenho a calma e a energia que não tinha, como se redirecionasse a que gastava com ansiedade e a necessidade de me encaixar, de ser aceito. Como que compreendesse ser uma dentre essas bilhões de fogueirinhas, com minhas próprias cores, luzes e sombras, e que não há maneira melhor de viver que as admitindo, e procurar entendê-las. E que compreendê-las melhor pode influenciar diretamente na forma com que me conecto com os lugares, com as coisas, com as pessoas, comigo mesmo e na maneira que me expresso.
Não sei se é possível verbalizar minhas motivações. Sei que as sinto, intensas, dos cantos dos olhos às pontas dos dedos. Que me chacoalham cedo pela manhã e me energizam, mesmo quando durmo pouco, antes ou depois de uma diária de filmagem. Que seria contra intuitivo ignorar essas sensações em troca da garantia de uma carreira mais certa e estável.
Estudar cinema é ser mais sincero comigo mesmo e, com isso, sê-lo com tudo que tenho ao redor. Reaprender a me expressar, agora em imagem e som, e direcionar a busca para ouvir minhas vozes internas, a compreender o que tenho a dizer. E, a partir disso, me abrir também ao interno dos outros, procurar diálogos. É um caminho longo e inconclusivo, mas me parece um bom plano, um bom jeito de levar as coisas.